sexta-feira, 6 de junho de 2008

INQUÉRITO POLICIAL

Inquérito policial - um procedimento inquisitivo ou contraditório?
Uma abordagem sob as mudanças trazidas pela Lei 10.792 de 2003.
Sinnedria dos Santos Dias
muitas são as definições quando se conceitua Inquérito Policial . “É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em Juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto” [1]. Porém, segundo o Prof. Tourinho Filho, o surgimento e definição do inquérito policial surgiu entre nós com a Lei n. 2.033 de 20.09. 1871 sendo esta mesma lei regulamentada pelo Decreto-lei n. 4.824, de 28.11.1871 , que definia em seu artigo 42 " O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito". [2]Dentre as características principais do inquérito policial temos:Procedimento escrito: o inquérito policial é escrito, leia-se aqui datilografado ou impresso, e se assim o for, deverá ter todas as suas folhas rubricadas pela autoridade policial que preside o mesmo, no caso o delegado de polícia de polícia.Sigiloso: A divulgação precipitada de fatos ainda sendo investigados poderá ser prejudicial à sua completa elucidação e em outros casos, a divulgação dos mesmos pode causar danos seríssimos à tranqüilidade pública e, por isso, às vezes, o interesse da sociedade clama pelo sigilo. O sigilo não permanece porém, o membro do Parquet ou para a autoridade judiciária (juiz). O advogado tem acesso aos autos, com exceção de quando seja decretado judicialmente o sigilo das investigações. Durante o transcorrer do inquérito policial, não há efetivamente nenhuma acusação por parte do Estado. Busca-se a colheita de provas que levem à comprovação do ilícito e de seu possível autor. Outro motivo ao qual se caracteriza o inquérito policial pelo sigilo é que, por não se ter certeza da autoria e do fato ilícito, a divulgação de fatos acusatórios poderá atingir pessoas que, posteriormente, não sejam autores ou partícipes dos ilícitos penais em apuração, causando-lhe danos às vezes de difícil reparação. O Código de Processo Penal deixa ao inteiro julgamento da autoridade policial a conveniência, ou não, de se manter o sigilo.." [3].Nota-se que existem alguns casos onde a exibição dos fatos auxilia a polícia judiciária na colheita das provas, como ocorre, por exemplo, com a divulgação pela imprensa a cerca de uma investigação de determinado fato ilícito com a intenção de que com a publicidade surjam mais vítimas, permitindo assim que a população possa colaborar, trazendo informações de interesse ao inquérito policial. Em tais casos, é possível alegar que o próprio interesse público motivou a divulgação dos fatos. Apesar desta possibilidade de defesa do interesse público, a divulgação do inquérito policial deve ser vista com cautela, sendo usada em casos especiais, não se podendo fazer desse procedimento uma regra.Indisponível: Após a instauração, não pode o inquérito policial ser arquivado pela autoridade policial. A ordem para o arquivamento do inquérito policia é feita pelo juiz, quando faltar base para a denúncia, no entanto, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia, se essas diligências complementares trouxerem provas novas, o inquérito policial poderá ser reaberto.Oficioso: o inquérito policial não precisa provocação para ser iniciado, e sua instauração e obrigatória . Até o advento da Lei n. 8.862/94 cabia à autoridade policial julgando discricionariamente a possibilidade e a conveniência, iniciar ou não o inquérito policial. [4]Oficialidade: O inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo de particulares. E é presidido pela autoridade pública, no caso a autoridade policial.Inquisitivo: dúvida surgiu se, com a com a entrada em vigor da Lei 10.792, em 02 de dezembro de 2003, com suas significantes alterações introduzidas na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 11 de junho de 1984) e no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941), [5] se permanece a característica inquisitiva do inquérito policial ou se doravante ele passaria a ter cunho contraditório.Alguns doutrinadores defendem que ao inquérito policial não se aplica o princípio da ampla defesa , pois se não há acusação, só havendo acusado na fase processual, não há que se falar em defesa. Defendem porém, que o princípio do contraditório passou a ser aplicado. Segundo os defensores dessa alteração, com as inovações, a lei passou a exigir a presença do advogado, constituído ou nomeado, no interrogatório do acusado, como forma de assegurar maior amplitude de defesa (art. 185). Terminam concluindo que, se com a nova lei, profundas mudanças foram introduzidas no interrogatório, tais também deverão ser observadas pelo delegado de polícia no inquérito policial, por imposição do art. 6, V do Código de Processo Penal. [6]No ato judicial não mais subsiste o teor inquisitivo, sendo portanto contraditório. Não bastasse, ampliar e assegurar os meios de defesa, garante a nova lei, o direito de entrevista reservada do acusado com o advogado, ocasião em que poderá receber orientação técnica (art. 185, § 2º). Exige-se também agora, melhor dizer, desde 02 de dezembro de 2003, a presença de advogado, constituído ou nomeado, para o indiciamento do investigado, especialmente quando preso em flagrante delito. Possibilita-lhe a entrevista reservada com o defensor e deste a promoção de perguntas. O advogado, atuando no inquérito policial, é o reconhecimento do contraditório neste procedimento, porque assegura ao indicado conhecimento das provas produzidas na investigação, o direito de contrariá-las, arrolar testemunhas e promover perguntas, direito a não ser indiciado com base em provas ilícitas e o privilégio contra a auto-incriminação.Entendemos, por pura questão de lógica, que, no procedimento investigatório, não se fala em contraditório no início das investigações, mas somente após o reconhecimento dos indícios da conduta delituosa que motivaram o indiciamento. O contraditório, após o indiciamento, não conspira contra o êxito das investigações, ao contrário, assegura maior legitimidade as conclusões da investigação. Como conseqüência, para os defensores dessa tese, a adoção do princípio do contraditório, dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, mas com valor de prova na instrução, consequentemente, mais célere e mais rápida a prestação jurisdicional.Há outros doutrinadores, porém, que defendem que o inquérito continua a ser um procedimento inquisitivo pois, além de haver certa discricionariedade da autoridade policial - discricionariedade essa, limitada pela legalidade e garantidora da integridade do investigado, resguardando o seu estado de inocência – há também a impossibilidade de que um vício da peça informativa, que é o inquérito policial, venha a corromper o processo judicial. Terminam esses doutrinadores, por concluir que, com a nova lei, profundas mudanças foram introduzidas no interrogatório, tais também deverão ser observadas pelo delegado de polícia no inquérito policial, por imposição do art. 6, V do Código de Processo Penal, naquilo que lhe é aplicado e não mais do que nesse limite.Destacamos o entendimento de Fernando Capez, ao afirmar que a natureza inquisitiva do inquérito permanece e pode ser evidenciada pelo artigo 107 [7] do CPP, que proíbe a argüição de suspeição das autoridade policiais, e pelo artigo 14, que permite à autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado, com exceção do exame de corpo de delito, de acordo com o previsto no artigo 184 do CPP. [8]Fernando da Costa Tourinho Filho, por sua vez, nos ensina que, havendo o princípio do contraditório, a defesa não deveria estar sujeita a restrições, porque quando se fala em contraditório, fala-se da completa igualdade entre acusação e defesa - o que não há realmente no inquérito policial pois, não há neste momento procedimental um acusado e sim um indiciado.Não se poderia argumentar contra a inovação trazida pela lei, pois de certa forma já é reconhecida a sistemática no inquérito judicial e não policial, para apurar crime falimentar e no inquérito policial elaborado pela Polícia Federal com fim de expulsão de estrangeiro. Porém, não se prospera a tese de que o inquérito policial seria mais do que uma peça informativa. Nesse sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 82.222-SP, relatora Ministra Ellen Gracie, j. em 17.9.2002:Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se alega violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pela circunstância de que o paciente fora intimado para os fins do art. 106 da Lei de Falências em momento posterior ao oferecimento da denúncia por crime falimentar, razão porque perdera a oportunidade de contestar as argüições contidas no inquérito judicial (Decreto-lei 7.661/45, art. 106: ‘Nos 5 (cinco) dias seguintes, poderá o falido contestar as argüições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente’). A Ministra Ellen Gracie, relatora, proferiu voto no sentido de indeferir o writ, por entender que, sendo o inquérito judicial para a apuração de crime falimentar peça de natureza meramente informativa, eventual falha procedimental, como a falta de intimação do falido para os fins do art. 106, não teria o poder de contaminar a ação penal.(grifo nosso). Dessa forma, conclui-se que a intimação do falido para apresentação de contestação no inquérito judicial não torna o procedimento contraditório.Somos da opinião que, devemos acompanhar os doutrinadores que defendem ser o inquérito policial um procedimento inquisitivo, primeiro porque o contraditório é totalmente dispensável durante o procedimento investigatório, e mesmo após o formal indiciamento do sujeito, visto que as provas serão refeitas novamente perante a autoridade judicial. Segundo, porque, a admissão do contraditório no inquérito policial se dá com a interpretação bastante extensiva do artigo 5o, inciso LV, da Magna Carta [9]. Estaria aqui uma lei infraconstitucional ampliando o alcance da Lei Magna, lendo indiciado onde a Constituição Federal diz acusado.Pelo lado da agilidade da resposta do judiciário à sociedade e principalmente à vítima ou aos seus familiares, o princípio do contraditório, se pudesse ser aplicado – caso quiséssemos com muito esforço ignorar os dois motivos anteriores - estaria a ferir outro princípio constitucional, que é o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 [10] da Lei Maior. Pois ao assim proceder, o trabalho da polícia judiciária, se tornaria moroso e cerceada estaria a elucidação dos delitos e autoria.Com certeza, ao se pensar em um inquérito policial contraditório, estaria a se comprometer a eficiência, não só das investigações em si, mas do próprio desenvolvimento desse procedimento. Além do que, entendemos que não há como se falar em contraditório em um procedimento que pode ser sigiloso ao alvedrio da autoridade policial e que também não seria apropriado defender a contrariedade de um procedimento quando cabe a apenas uma das partes decidir sobre diligencias a serem realizadas, como sói acontecer no inquérito policial, onde cabe à autoridade, e ao seu alvedrio, decidir pela realização de uma diligência ou não.[1] SALLES Jr., Romeu de Almeida , Inquérito Policial e Ação Penal, São Paulo, 3ª ed., 1985, p. 3[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, São Paulo. 21ª Ed. Vol. 1999, p. 196[3] CPC, Art. 20 . A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade[4] Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:I – se possivel e conveniente, dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e conservação das coisas, enquanto necessário;II – apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o favalto;I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) (Vide Lei nº 5.970, de 1973)II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)[5] Código de Processo Penal, do Tit. VII, Cap. III, ao dispor sobre o interrogatório (art. 185 e seguintes). c/c art. 6o , V do mesmo Codex.[6] Art. 6º - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que Ihe teham ouvido a leitura; ( grifo nosso)[7] Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.[8] Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.[9] CF, art. 5º, LV - LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes ( grifo nosso)[10] CF, Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

CRIMES MILITARES : CONCEITO E JURISDIÇÃO

CRIMES MILITARES : CONCEITO E JURISDIÇÃO

Azor Lopes da Silva Júnior

Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca, Pós-graduado pela Universidade Estadual Paulista, Pós-graduado pelo Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar – SP, Pós-graduando em Segurança Pública pela PUC-RS/SENASP, Multiplicador de Direitos Humanos habilitado pela Anistia Internacional, Professor de Direito Penal e Direito Constitucional no Centro Universitário de Rio Preto, Major e Professor de Direito Penal do Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CAES) no Curso Superior de Polícia e Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais


Introdução: A pertinência e atualidade do tema.

Dois fatores nos levaram a lavrar este breve ensaio relativamente ao direito penal militar e a jurisdição militar: a inexistência da disciplina nos cursos de graduação e o eventual conflito de atribuições gerado pela ignorantia juris entre autoridades policiais, civis e militares, e membros do Ministério Público.

No primeiro caso – inserção da disciplina nos cursos de graduação em direito – lembra o eminente Juiz Ronaldo João Roth [01] que no período entre 1925 a 1930 a disciplina era obrigatória nos currículos dos cursos de Direito, sendo após, pela reformulação da Lei de Ensino, tornada facultativa. A questão não tem aporte meramente acadêmico, mas sobretudo no que toca aos direitos fundamentais de acesso à jurisdição e de direito à defesa tecnicamente habilitada, mormente num universo em que seguramente mais de 400 mil cidadãos brasileiros são militares de carreira e sofrem jurisdição das cortes militares, sem considerar ainda, que a jurisdição militar é aplicável também a civis, como demonstraremos mais minudentemente a seguir. Não se pretende aqui advogar em favor da inclusão curricular, mas de despertar para a necessidade de habilitação dos operadores do Direito.

A segunda de nossas preocupações – ignorantia juris e conflito de atribuições –, certamente decorrente da primeira, toma relevo não somente sob o prisma de que, se ao leigo não é escusável o desconhecimento da lei, maior rigor científico ainda deve ser cobrado dos profissionais da ciência jurídica, sendo sofrível o estabelecimento de conflitos positivos ou negativos de atribuições por conta de desconhecimento da norma.


--------------------------------------------------------------------------------

1. A base da compreensão: o conceito de crime militar.

1.1 Distinção entre crime militar e transgressão disciplinar.

Ao leigo é razoável, e portanto perdoável, confundir crimes militares com transgressões militares que, em regra, brotam na caserna [02] tendo como pano de fundo a violação de regras de hierarquia [03] e disciplina [04]. De mesma sorte, tratar jurisdição militar e processo penal militar como mecanismos administrativos é conseqüente efeito do primeiro equívoco.

Conceituando materialmente crime, veremos, v.g., Noronha tê-lo como "a conduta humana que lesa ou expõe a perigo bem jurídico protegido pela lei penal" [05], para Fragoso "é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal" [06] e, Bettiol para quem "é qualquer fato do homem, lesivo de um interesse, que possa comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade" [07], e para Asua é "a conduta considerada pelo legislador como contrária a uma norma de cultura reconhecida pelo Estado e lesiva de bens juridicamente protegidos, procedente de um homem imputável que manifesta com sua agressão e periculosidade social" [08].

A transgressão disciplinar todavia, ainda que ontologicamente não se distinga de crime, porquanto ambos decorrem de uma conduta humana ilícita pelo descumprimento de uma norma jurídica, dele se difere em substância e, bem assim, Meirelles [09] diz:

Não se deve confundir o poder disciplinar da Administração com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Penal. O poder disciplinar é exercido como faculdade punitiva interna da Administração, e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço; a punição criminal é aplicada com finalidade social, visando a repressão de crimes e contravenções definidas nas leis penais e por esse motivo é realizada fora da Administração ativa, pelo Poder Judiciário.

Masagão [10], por sua vez, enumera quatro distinções elementares entre a responsabilidade penal e a administrativa que fazem diversa suas substâncias:

a)o fundamento da responsabilidade criminal é a proteção de bens fundamentais do indivíduo e da sociedade, como a vida, a liberdade, a incolumidade pessoal, a honra, a propriedade, a organização política. Muito mais modesto e restrito é o fundamento da responsabilidade disciplinar, que consiste na tutela do bom funcionamento do serviço público e dos fins por ele visados.

b)Qualquer crime funcional constitui também falta disciplinar, mas a recíproca não é verdadeira. E, quando coincidem as duas espécies de responsabilidade em razão do mesmo fato, sofre seu autor, cumulativamente, a pena criminal e a disciplinar. Isso não sucederia se ambas tivessem o mesmo caráter, em face da regra nom bis in idem.

c)Ninguém pode ser criminalmente punido pela prática de ato que não tenha sido anteriormente definido pela lei como crime. Mas todos os atos contrários aos deveres do funcionário dão azo a penalidades disciplinares, independentemente de especial definição anterior da lei.

d)Salvo os casos excepcionais de ação privada, os crimes desencadeiam ação penal, desde que cheguem ao conhecimento da autoridade. Ao contrário, a falta disciplinar pode ser reprimida ou não, conforme convenha aos interesses do serviço, cabendo aos superiores hierárquicos larga margem de discricionariedade no assunto.

Assim, vem, no Direito pátrio, o Código Penal Militar deixar claro: "Art. 19 – Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares".

1.2 Distinção entre crime militar e crime comum.

Eis aqui um dos pontos que exige esforço dos mais árduos ao aplicador da lei ou operador do Direito, e isto reconhece até mesmo o douto Mirabete: "Árdua, por vezes, é a tarefa de distinguir se o fato é crime comum ou militar, principalmente nos casos de ilícitos praticados por policiais militares" [11].

Ocorre que, tanto o Direito Penal comum quanto o militar, em respeito ao constitucional princípio da reserva legal [12], definem: "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal." (CP, Art. 1º) ou "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."; adiante vem a Lei de Introdução ao Código Penal ditando: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;". Assim, idênticas as definições legais de crime, tanto comum ou militar, deve-se recorrer, diante do caso concreto às regras de hermenêutica.

Se até aqui vemos igual definição de crime, tanto comum quanto militar, a partir daqui traçaremos a diferença. Ocorre que, para se verificar eventual subsunção do fato à norma penal comum, basta um confronto do fato a um determinado tipo penal encontrando ali presentes todos os elementos de sua definição legal, sejam eles elementos objetivos ou descritivos, normativos ou subjetivo, conforme o caso. Diversamente, para que haja subsunção no campo penal militar, além de buscar a tipicidade na Parte Especial do código, o operador deve verificar se o fato também se enquadra numa das hipóteses circunstanciais [13] ditadas pelo seu artigo 9º. A operação de hermenêutica portanto desenvolve-se em duas etapas: 1ª) busca de tipicidade na Parte Especial (exatamente como ocorre no Direito Penal comum; 2ª) busca de adequação em uma das hipóteses circunstanciais previstas no artigo 9º do Código Penal Militar.

Não ocorrendo subsunção do fato e circunstâncias em qualquer das duas operações o delito não será crime militar, v.g., a prática de contravenção penal pelo militar, mesmo que dentro de um quartel e contra outro militar, será considerado delito comum; da mesma forma, a lesão corporal praticada por um militar, fora do ambiente do quartel e fora da situação de serviço, contra um civil; igualmente o tráfico de entorpecentes por um militar, mesmo que dentro do quartel, já que prevalece a Lei nº 6368/76; o crime de tortura, mesmo que praticado dentro do estabelecimento militar tipifica-se por lei especial (Lei nº 9455/97); ao abuso de autoridade de igual forma aplica-se a Lei nº 4898/65; etc.

Desta forma, se a conduta não foi tipificada no Código Penal Militar, mas em alguma lei penal especial, esta prevalece. Se, todavia, o fato se subsume tanto à norma penal militar quanto à comum, prepondera a primeira em razão do princípio da especialidade.

Diante do conflito aparente de normas, buscamos solução no magistério de Noronha [14]:

Assunto afim do concurso de crimes é o de leis, também enunciado como conflito aparente de normas. Ocorre quando duas ou mais leis ou disposições legais a respeito de determinado fato se apresentam como aplicáveis, devendo decidir-se se uma admite a aplicação da outra ou a exclui. Em tordo do assunto giram três princípios: o da especialidade, o da subsidiariedade e o da consunção. O primeiro é enunciado pela fórmula lex specialis derogat legi generali. Duas disposições se acham em relação de geral e especial quando os requisitos do tipo geral estão todos contidos no especial, o qual tem um ou mais requisitos (chamados especializantes).

Assim, poderemos encontrar no caso concreto perfeita subsunção do fato típico a duas espécies de normas penais (penal comum e penal militar), como se observa nos crimes impropriamente militares, ou seja, aqueles que sendo definidos como crimes militares, podem de igual forma ter como sujeito ativo um militar ou mesmo um civil (v.g. o homicídio, definido do artigo 205 do CPM e no artigo 121 do CP, sem exigir qualquer dos tipos penais a condição de militar ao sujeito ativo; da mesma forma, o delito de lesões corporais: art. 209, CPM e 129, CP; a Rixa: art. 211, CPM e art. 137, CP; o furto: art. 240, CPM e 155, CP; etc.). Na verdade, quase todos os crimes tipificados no Código Pena "comum" de igual forma o são no Código Penal Militar, tendo este último um outro número de crimes que somente são por ele tipificados (geralmente os crimes propriamente militares).

Desta forma, ao contrário do que supõem alguns – que o crime militar somente possa ter como sujeito ativo um militar –, vem o artigo 9º do Código castrense e dita:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

[...]

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Da mesma forma cai por terra o raciocínio equivocado de que o crime militar somente possa ter como sujeito passivo outro militar:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

[...]

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

[...]

Incide igualmente em erro quem imagina que, no que toca ao militar, praticando crime contra um civil, o ilícito somente será militar se o fizer durante o serviço:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

[...]

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

[...]

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

[...]

Por fim, também labora em equívoco quem supõe que o crime militar somente possa ocorrer dentro dos quartéis:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

[...]

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

[...]

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

[...]

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

[...]

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

[...]


--------------------------------------------------------------------------------

2. A jurisdição militar: breve retrospecto histórico e atualidades.

A jurisdição militar acompanha nosso direito desde o Império. Assim ditava a Constituição de 1824 [15]: "Artigo 179 – [...] X – À exceção de flagrante delito – a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da Autoridade legítima. [...] O que fica disposto acerca da prisão antes da culpa formada não compreende as Ordenanças Militares".

Na esteira da Carta Imperial vinha o Código Criminal do Império: "Art. 308 – Este codigo não comprehende: [...] § 2º - Os crimes puramente militares, os quaes serão punidos na fórma das leis respectivas".

Em comentário a este artigo Tinoco [16] aduzia:

(241) Considera-se crimes militares os declarados nas leis militares e que só podem ser commetidos pelos cidadãos alistados nos corpos militares no exercito ou armada, como são: 1º - Os que violam a santidade e a religiosa observancia do juramento prestado pelos que assentam praça. 2º - Os que offendem a subordinação e boa disciplina do exercito ou armada. 3º - Os que alteram a ordem, policia e economia do serviço em tempo de guerra ou paz. 4º - O excesso ou abuso de autoridade, em occasião de serviço ou influencia de emprego militar, não exceptuados por lei que positivamente prive o delinquente do fôro militar.

Diferente não ocorreu com o advento da República:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891)

Art 76 - Os oficiais do Exército e da Armada só perderão suas patentes por condenação em mais de dois anos de prisão passada em julgado nos Tribunais competentes.

Art 77 - Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares.

1º - Este foro compor-se-á de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros serão vitalícios, e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes.

2º - A organização e atribuições do Supremo Tribunal Militar serão reguladas por lei.

Na mesma linha, vinha o Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil para, em seu artigo 6º preceituar: "Este codigo não comprehende: [...] b) os crimes puramente militares, como tais declarados nas leis respectivas;".

Em nota que comenta tal dispositivo, Oscar de Macedo Soares [17] pontuou:

Os militares de terra e mar terão fôro especial nos delictos militares. Vide no Codigo Penal para a Armada que acompanha o dec n. 18 de 7 de março de 1891, approvado e ampliado ao exercito nacional pela lei n. 612 de 29 de setembro de 1899. O Supremo Tribunal Militar, usando da faculdade contida no art. 5, § 3 do dec. Legisl. n. 149 de 18 de julho de 1893, expedio em 16 de julho de 1895 o Regulamento processual criminal militar para ser observado no exercito e armada. Vide ainda J. Barbalho, Comm. Aos arts. 52, §§ 2, 53, 54 e 77 da Const. Fed.; João Vieira, Obr. Cit., p. 73 e segs, Dir. Pen. Do Exerc.e Armada.; e o nosso Cod. Penal Mil. (1903, ed. Garnier).

A Carta de 1934 também dispunha relativamente ao foro militar:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934)

Art 84 - Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares. Este foro poderá ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares.

Art 85 - A lei regulará também a jurisdição, dos Juízes militares e a aplicação das penas da legislação militar, em tempo de guerra, ou na zona de operações durante grave comoção intestina.

Art 86 - São órgãos da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes inferiores, criados por lei.

A chamada "Constituição Polaca" de 1937 também não se omitiu em relação ao foro militar:

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937)

Art 111 - Os militares e as pessoas a eles assemelhadas terão foro especial nos delitos militares. Esse foro poderá estender-se aos civis, nos casos definidos em lei, para os crimes contra a segurança externa do Pais ou contra as instituições militares.

Art 112 - São órgãos da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes inferiores, criados em lei.

Na seqüência, vem o Código de Processo Penal, instituído pelo Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, para excetuar da jurisdição comum os crimes militares ("Art. 1º - O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: [...] III - os processos da competência da Justiça Militar;").

A democrática Constituição de 1946 manteve a jurisdição militar:

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946)

Art 106 - São órgãos da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes inferiores que a lei instituir.

Parágrafo único - A lei disporá sobre o número e a forma de escolha dos Juízes militares e togados do Superior Tribunal Militar, os quais terão vencimentos iguais aos dos Juízes do Tribunal Federal de Recursos, e estabelecerá as condições de acesso dos Auditores.

[...]

Art 108 - A Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas.

1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos, expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País ou as instituições militares.

2º - A lei regulará a aplicação das penas da legislação militar em tempo de guerra.

A Constituição de 1967 e sua Emenda Constitucional de 1969 mantiveram os Tribunais Militares:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967

Art 120 - São órgãos da Justiça Militar o Superior - Tribunal Militar e os Tribunais e Juizes inferiores instituídos por lei.

[...]

Art 122. - A Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas.

1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares, com recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal.

2º - Compete originariamente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referidos no § 1º.

3º - A lei regulará a aplicação das penas da legislação militar em tempo de guerra.

Nem mesmo a "Constituição Cidadã" não extinguiu a Justiça Militar:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 122 - São órgãos da Justiça Militar:

I - o Superior Tribunal Militar;

II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

[...]

Art. 124 - À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único - A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência, da Justiça Militar.

[...]

Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

3º - A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes.

4º - Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/04).

Do texto constitucional observa-se que, respeitando-se o pacto federativo, cláusula de natureza pétrea, fixou-se diferentemente competência para as duas esferas de Justiça Militar: federal e estadual. À primeira, diz a Constituição competir o julgamento dos crimes militares definidos em lei, enquanto à segunda restringiu a jurisdição aos casos de crime militar praticados por policiais militares e bombeiros militares. Assim, como anotamos anteriormente, ainda que possa o civil cometer crime de natureza militar (impropriamente militares), somente ficará sujeito à jurisdição castrense se ofender bem jurídico vinculado às Forças Armadas (Exército Brasileiro, Marinha de Guerra e Força Aérea Brasileira), porquanto se o fizer em detrimento das Polícias Militares ou Corpos de Bombeiros Militares, deverá ser julgado pela Justiça comum (somente caso a infração tenha correspondente tipicidade na legislação penal comum), por carecerem os órgãos das Justiças Militares estaduais de competência para julgamento de civis.

Seguindo no estudo da jurisdição militar, forçoso é tratar, na esteira histórica, ainda que infraconstitucional, da Lei nº 9299/96. Pois bem, em agosto de 1996, após tramitar o Projeto de Lei nº 899-A, de autoria do Deputado Federal Hélio Bicudo (PT), obteve rejeição pelas comissões, diante de inconstitucionalidades apresentadas. Por acordo com o autor, o Deputado Federal José Genuíno (PT) apresentou um substitutivo que, ainda assim, diante de uma enormidade de incongruências, foi rejeitado pelo Senado que, todavia, submeteu à votação diverso projeto de lei (2801-F, de 1992), já anteriormente aprovado pela Câmara, que sancionado transformou-se na Lei nº 9299/96.

Em minucioso artigo [18] publicado pela Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, o Professor Dr. Marcos Rodrigues Caldas aponta toda sorte de incorreções e desatinos por que passou o projeto de lei até sua redação final, anotando:

O Deputado Bicudo restou insatisfeito e apresentou em 17.7.96, à Câmara Federal um novo Projeto de Lei (nº 2190/96) pretendendo aprofundar a alteração de competência jurisdicional das Justiças Militares Estaduais. Pretende, agora, o deputado paulista, seja revogada a alínea "f" supra referida (o que já ocorreu). Propõe seja acrescido ao artigo 9º do Decreto Lei nº 1.001/69 um outro parágrafo com o seguinte texto: "Os oficiais e praças das polícias militares dos Estados, no exercício de funções de policiamento, não são considerados militares para efeitos penais, sendo competente a justiça comum para processar e julgar os crimes cometidos por ou contra eles.". Propõe, ainda, que: "Os inquéritos instaurados para apuração dos crimes mencionados nesta lei poderão ser avocados a critério do Procurador Geral de Justiça que designará membro do Ministério Público para acompanhar as investigações.". No dia 13 de agosto de 1996, em artigo estampado na "Folha de São Paulo" o deputado afirma que o texto assinado pelo Presidente da República foi desvirtuado por "pressões das Justiças Militares estaduais" e continha "imperfeições técnicas e limites materiais que não foram intencionalmente corrigidos por ambas as casas do Congresso.".

Após tais contratempos, era sancionada a Lei nº 9299, trazendo notáveis mudanças no que toca à jurisdição das Cortes Militares. De um lado, o objetivado pelo parlamentar, mitigava-se a amplitude jurisdicional da Justiça Militar para dela retirar a competência de julgamento dos crimes contra a vida de civis praticados por militares, dando nova redação ao artigo 9º do Código Penal Militar, ao nele incluir um parágrafo único, que fazia simetria com a alteração do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar, bem como para retirar a natureza de crime militar aquele praticado com armamento militar (art. 9º, II, f). Contudo, alargou-se a competência da justiça castrense para nela incluir o julgamento de casos em que o militar atuando em razão da função, mesmo que fora de serviço, praticasse um crime militar, situação antes não incluída pela redação original do código:

LEI Nº 9.299, DE 7 DE AGOSTO DE 1996. Altera dispositivos dos Decretos-leis n° s 1.001 e 1.002, de 21 de outubro de 1969, Códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar, respectivamente.

Art. 1º O art. 9° do Decreto-lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 9° [...]

II – [...]

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

[...]

f) revogada.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."

Art. 2° O caput do art. 82 do Decreto-lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar, passa a vigorar com a seguinte redação, acrescido, ainda, o seguinte § 2°, passando o atual parágrafo único a § 1° :

"Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:

[...]

2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum."

Como se observa pela leitura da nova redação dada ao § 2º, do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar, mesmo nos crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, ainda que em lugar não sujeito à administração militar e por militar em serviço ou atuando em razão da função, não se retirou da polícia judiciária militar a atribuição de condução do Inquérito Policial Militar, mas se determinou que, remetido este à Justiça Militar, cabe à Corte castrense a remessa à justiça comum, caso entenda tratar-se, o caso apurado, de crime doloso contra a vida de civil.

De início, questionou-se a constitucionalidade da referida norma, porquanto teria ferido a Lei Maior que deixa claro competir à Justiça Militar o julgamento dos crimes militares definidos em lei (art. 124, caput, CRFB), cabendo ao Pleno do Supremo Tribunal Federal decidir pela constitucionalidade da norma nos termos a seguir ementados:

EMENTA: Recurso extraordinário. Alegação de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 9º do Código Penal Militar introduzido pela Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996. Improcedência. - No artigo 9º do Código Penal Militar que define quais são os crimes que, em tempo de paz, se consideram como militares, foi inserido pela Lei 9.299, de 7 de agosto de 1996, um parágrafo único que determina que "os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum". - Ora, tendo sido inserido esse parágrafo único em artigo do Código Penal Militar que define os crimes militares em tempo de paz, e sendo preceito de exegese (assim, CARLOS MAXIMILIANO, "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 9ª ed., nº 367, ps. 308/309, Forense, Rio de Janeiro, 1979, invocando o apoio de WILLOUGHBY) o de que "sempre que for possível sem fazer demasiada violência às palavras, interprete-se a linguagem da lei com reservas tais que se torne constitucional a medida que ela institui, ou disciplina", não há demasia alguma em se interpretar, não obstante sua forma imperfeita, que ele, ao declarar, em caráter de exceção, que todos os crimes de que trata o artigo 9º do Código Penal Militar, quando dolosos contra a vida praticados contra civil, são da competência da justiça comum, os teve, implicitamente, como excluídos do rol dos crimes considerados como militares por esse dispositivo penal, compatibilizando-se assim com o disposto no "caput" do artigo 124 da Constituição Federal. - Corrobora essa interpretação a circunstância de que, nessa mesma Lei 9.299/96, em seu artigo 2º, se modifica o "caput" do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar e se acrescenta a ele um § 2º, excetuando-se do foro militar, que é especial, as pessoas a ele sujeitas quando se tratar de crime doloso contra a vida em que a vítima seja civil, e estabelecendo-se que nesses crimes "a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum". Não é admissível que se tenha pretendido, na mesma lei, estabelecer a mesma competência em dispositivo de um Código - o Penal Militar - que não é o próprio para isso e noutro de outro Código - o de Processo Penal Militar - que para isso é o adequado. Recurso extraordinário não conhecido. (STF. RE 260404 / MG - MINAS GERAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 22/03/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 21-11-2003 PP-00009 EMENT VOL-02133-04 PP-00750).

Mesmo com a "Reforma do Judiciário", advinda da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, promulgada em pleno governo do Partido dos Trabalhadores, ao contrário de se mitigar a jurisdição militar, ela sofreu uma exasperação de competência:

Redação com as alterações da Emenda Constitucional nº 45/04:

Art. 125 – [...]

3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.

4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

Com a nova redação do texto constitucional, além da questão semântica de substituir-se a denominação de "Auditores Militares" ou "Juizes Auditores", referente aos Juízes togados atuantes na Justiça Militar, alargou-se a competência destes para, monocraticamente, conhecer e julgar os crimes militares cometidos contra civis (exceto aqueles dolosos contra a vida, que na Justiça comum competirão ao Tribunal do Júri), antes julgados pela Auditoria (órgão colegiado composto pelo juiz togado e militares na função de juizes leigos), e, ainda, as ações judiciais contra atos disciplinares militares, até então litigados pela via do Mandado de Segurança na Justiça Comum e esfera cível.

Mais ainda, por conta da Emenda Constitucional foi de vez afastada a tese de inconstitucionalidade da Lei nº 9299/96, recepcionada agora por completo pela nova ordem constitucional reformada.


--------------------------------------------------------------------------------

Considerações finais.

Procuramos pôr o leitor em sintonia com um ramo do direito pouco estudado, mas em perfeita vigência e aplicabilidade prática, com o objetivo de reduzir o elevado grau de desconhecimento e, assim, despertar nos operadores do direito e, em especial nos acadêmicos, a curiosidade e desejo de se iniciarem nesta seara. Ao mesmo tempo, esperamos que, esclarecendo o conceito de crime militar, o campo de atribuições da polícia judiciária militar e do Ministério Público Militar, bem como da competência da Justiça Militar, possamos minimizar os casos de conflito, especialmente de atribuições, estabelecidos entre autoridades de polícia judiciária comum e militar.

No que toca a estes últimos, temos que, sob pena de inconcebível omissão, lembrar que a Constituição Federal grava em seu artigo 144, § 4º, competir às polícias civis a apuração das infrações penais, exceto as militares, bem por esta razão, o assunto foi disciplinado, no Estado de São Paulo, ainda que sem a merecida abordagem jurídica em razoável profundidade, pela Portaria DGP-20, de 08 de setembro de 1992, editada pelo Delegado Geral de Polícia, e Portaria CORREGPM-1/130, da mesma data, subscrita pelo Comandante Geral da Polícia Militar, que, respectivamente ditam:

Portaria DGP-20 – Art. 1º - [...] II – Na Delegacia de Polícia: a) se a ocorrência tratar da prática de infração de natureza não militar, deverá ser determinado pela Autoridade Policial o competente registro do fato, seguido das medidas atinentes à Polícia Judiciária, observadas as normas processuais vigentes; b) havendo divergência quanto à natureza da ocorrência, deve a Autoridade Policial que tiver competência para decidir sobre a mesma, ajuizar da conveniência da instauração de procedimento de Polícia Judiciária, ainda que de forma concomitante com medidas afins que venham a ser adotadas na área da Polícia Judiciária Militar;

Portaria CORREGPM-1/130 – [...] Art. 2º - Nas ocorrências de crime militar, praticado por policial militar, em serviço ou em razão da função, as partes serão apresentadas à autoridade policial militar competente, que tomará as medidas de polícia judiciária militar cabíveis, em autos próprios, observadas as normas legais. [...] Art. 4º - Nas ocorrências em que haja conexão de crimes, comum e militar, o Oficial conduzirá todas as partes ao Distrito Policial, para a realização conjunta dos registros de polícia judiciária, de acordo com as atribuições legais respectivas.

Certo é que o inquérito policial, ou mesmo o inquérito policial militar, é peça dispensável à propositura da ação penal e meramente informativa, como assegura a doutrina baseada na lei. A concomitância de dois indiciamentos sobre um mesmo indivíduo (em IP e IPM), salvo no caso de crimes conexos ou de concurso de infrações, não nos parece da melhor exegese jurídica, mormente se analisada sob o prisma de garantia dos direitos fundamentais.

Ora, salvo nas hipóteses excepcionadas, ou o crime é comum ou é militar, e assim competente a polícia judiciária comum ou militar e a justiça comum ou castrense [19]! Não se desconhece de igual forma que o indiciamento de um indivíduo ofende seu status libertatis bem como o status dignitatis sanável por via do remédio heróico [20] (Habeas Corpus).

Na construção do Estado Democrático de Direito não há margem ao arbítrio, nem espaço para a ignorantia juris.


--------------------------------------------------------------------------------

NOTAS

01 ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004, p. 95.

02 Caserna: s. f. 1. Habitação de soldados, dentro de quartel ou praça. 2. Vila militar. (MICHAELIS. Dicionário prático da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1987).

03 Artigo 3º - Hierarquia policial-militar é a ordenação progressiva da autoridade, em graus diferentes, da qual decorre a obediência, dentro da estrutura da Polícia Militar, culminando no Governador do Estado, Chefe Supremo da Polícia Militar. § 1º - A ordenação da autoridade se faz por postos e graduações, de acordo com o escalonamento hierárquico, a antigüidade e a precedência funcional. § 2º - Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Governador do Estado e confirmado em Carta Patente ou Folha de Apostila. § 3º - Graduação é o grau hierárquico das praças, conferida pelo Comandante Geral da Polícia Militar. (São Paulo: Lei Complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar).

04 Artigo 9º - A disciplina policial-militar é o exato cumprimento dos deveres, traduzindo-se na rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e ordens, por parte de todos e de cada integrante da Polícia Militar. § 1º - São manifestações essenciais da disciplina: 1 - a observância rigorosa das prescrições legais e regulamentares; 2 - a obediência às ordens legais dos superiores; 3 - o emprego de todas as energias em benefício do serviço; 4 - a correção de atitudes; 5 - as manifestações espontâneas de acatamento dos valores e deveres éticos; 6 - a colaboração espontânea na disciplina coletiva e na eficiência da Instituição. § 2º - A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos, permanentemente, pelos militares do Estado, tanto no serviço ativo, quanto na inatividade. (São Paulo: Lei Complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar)

05 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1978, v. 1, p. 105.

06 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1980, 149.

07 BETTIOL, Giuseppi. Direito penal: parte geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1970, v. 2, n. 9.

08 ASUA, Jiménez de. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1951, v. 3, p. 61.

09 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 103.

10 MAZAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. Tomo II. São Paulo: Max Limonad, 1960, p. 263.

11 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2004, p. 137.

12 CRFB, Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

13 CPM, Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996) d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
O homicídio praticado pelo policial militar em serviço ou em razão da função frente ao dolo eventual e a culpa consciente

Rafael Monteiro Costa

capitão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual Civil, Ambiental, Penal e Processual Penal pela ULBRA de Canoas (RS)

INTRODUÇÃO

A atividade de policiamento ostensivo, por sua natureza, expõe o policial militar a situações de tomada de decisão instantânea frente a ações de risco pessoal ou de terceiros, fazendo uso da força letal, que pode não ser justificada segundo as hipóteses do art. 23 do Código Penal ou circunstância exculpante, que afastaria sua culpabilidade.

Como a análise da ação culposa ou dolosa é realizada quando da tipificação da conduta [1], o órgão de acusação deverá subsumir o resultado morte ao tipo culposo ou doloso [2], e nesta operação mental do acusador surge o problema da tênue diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente, cuja repercussão ao réu é de grande relevância.

Buscaremos junto ao referencial teórico esclarecer as diferenças entre estas duas formas de manifestação de culpa lato sensu.


--------------------------------------------------------------------------------

1. A LEGALIDADE COMO GARANTIA DO POLICIAL MILITAR QUANDO DA DENÚNCIA PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO.

O Homicídio doloso ou culposo possui o mesmo desvalor do resultado, a morte, diferenciando-se as condutas pelo desvalor da ação. [3]

A adequação típica, juízo eminentemente técnico e realizado pelo Ministério Público quando da denúncia, deve considerar o desvalor da ação [4] do policial militar, se foi na forma dolosa ou culposa, garantia esta de que sua ação será apreciada segundo o principio da legalidade (adequação típica). [5]

Constituindo-se em adequação típica, não se pode argüir que em caso de dúvida entre a ação doloso ou culposa, possa o MP [6] denunciar o policial militar pelo tipo doloso, com o argumento de que ao júri caberá decidir sobre a tipicidade da ação, quando a este carece o conhecimento técnico exigido dos profissionais do direito. [7]

Sendo imotivado o julgamento proferido pelo júri, não pode o Ministério Público transferir o juízo de adequação típica entre a ação com dolo eventual ou culpa consciente ao tribunal popular, que se pronunciará sem o adequado conhecimento desta questão de extrema complexidade.

1. 1 O princípio da proporcionalidade no juízo de adequação típica

Na atribuição constitucional de promover privativamente a ação penal pública, o MP deverá levar em consideração o princípio constitucional da proporcionalidade quando da adequação típica do homicídio.

Entretanto, adverte Xavier Philippe [8] que há princípios mais fáceis de compreender do que definir. A proporcionalidade entra na categoria destes princípios.

Não sendo fácil esta definição, estabelecesse duas definições de proporcionalidade, uma ampla e outra restrita.

Em sentido amplo, entende Pierre Muller [9] que o principio da proporcionalidade é a regra fundamental tanto aos que exercem quanto os que padecem o poder.

Numa dimensão menos larga, o principio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios a que são levados a cabo.

Nesta ultima acepção, entende Muller que há violação ao princípio da proporcionalidade, com a ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados, ou quando a desproporção entre meio e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.

O principio da proporcionalidade pretende, por conseguinte, instituir uma relação entre fim e meio, confrontando o fim com o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso.

José Joaquim Gomes Canotilho [10] denomina o princípio da proporcionalidade de princípio da proibição do excesso. Este excesso é o do legislador no uso de sua discricionariedade política, vindo a ser o sobredito princípio um limite constitucional ao eventual arbítrio do legislador:

Este princípio, atrás considerado como também um subprincípio densificador do Estado de direito democrático significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adoção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a lei.

O princípio da proibição do excesso (ou proporcionalidade em sentido amplo), constitui um limite constitucional à liberdade de conformação da adequação típica. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao acusador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do MP. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para a emanação da denúncia e o exercício do poder discricionário de adequação típica ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o MP está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.

Portanto, cabe ao MP esta dificílima tarefa de formar o juízo de tipicidade, observando o principio da proporcionalidade como freio ao excesso na adequação típica do fato a norma. [11]


--------------------------------------------------------------------------------

2 O DOLO E A CULPA

O Dolo é a forma mais grave de que poderá revestir-se a culpa. Representação e vontade são elementos indispensáveis ao dolo. Não se concebe uma sem a outra, mesmo porque só de deseja aquilo que previamente se representa. [12]

O CPB definiu o dolo, em seu art. 18, I com a expressão "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo". Nessa expressão, embora na vontade da produção do resultado esteja implicitamente compreendida a representação, o legislador penal emprestou ênfase maior à vontade.

Este, segundo nosso Código Penal, compõe-se de um elemento intelectivo (conhecimento dos elementos do tipo penal) e de um elemento volitivo, consistente na vontade de realizá-lo.

O dolo poderá ser determinado ou indeterminado. O dolo determinado é a forma mais intensa dentre as várias modalidades de dolo. Nela, o agente previu e fez o que desejava fazer. O dolo indeterminado poderá ser alternativo ou eventual. No dolo alternativo, o agente quer, indiferentemente, um resultado ou outro (matar ou ferir). Representa com probabilidade o evento (na representação do dolo direto, tem a certeza de obter o que tenciona)

No dolo eventual, previsto na parte final do art. 18, o agente assume o risco da realização do evento. Ao representar mentalmente o evento, o autor aquiesce, tendo uma antevisão duvidosa de sua realização; seja como for, dê no que der, não deixo de agir".

A vontade e não a representação constitui a essência do dolo eventual. A decisão de agir, mesmo com a possibilidade de realização do evento, é uma situação psicológica característica, impregnada de volição. Constitui de qualquer modo uma decisão da vontade diante do evento previsto como possível.

Prever o evento e não se abster da conduta equivale a querer.

O dolo eventual, embora menos grave que o dolo determinado ou direto, não pode ser expresso em termos aproximativos ou negativos. O agente haverá de emitir um juízo afirmativo: o evento poderá verificar-se.

Os elementos integrantes do dolo eventual são dois: a representação do resultado como possível e a anuência do agente a verificação do evento, assumindo o risco de produzi-lo.

A culpa se divide em duas espécies: culpa inconsciente e consciente.

Na primeira, o sujeito não prevê o resultado, embora fosse previsível se tomasse as necessárias cautelas quanto ao risco que sua ação poderia causar.

Na culpa consciente (com previsão), o agente previu o resultado sem desejá-lo. E age com confiança segura de que o evento previsto como possível não iria jamais realizar-se. Com se vê, a culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, onde o agente, ao prever o resultado como possível, embora não o deseje diretamente, o aceita. A diferença entre ambos está na conduta psicológica assumida pelo agente, após a previsão do evento. Na culpa consciente, o sujeito não aceita o resultado. Age convencido da não realização do evento.

2.1 DOLO EVENTUAL

A simples assertiva contida no art. 18, I, in fine não é suficiente para caracterizar a ação dolosa, na forma eventual. [13] A expressão "assumir o risco" é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. [14]

Entendendo necessária a presença do elemento volitivo, estabelecendo uma relação de vontade entre o resultado e o agente, Bitencourt assevera que é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado, como sustentam os defensores da teoria da probabilidade. [15]

Não basta a previsão do resultado. É necessário o consentimento, a aceitação, anuência, ou seja, que diante da concreta evidência do resultado morte, o agente não cesse a ação, demonstrando desprezo pela vida de outrem.

O Policial Militar prevendo o resultado morte e mesmo assim vem a consentir com este, não interrompendo a ação, age com dolo eventual. Para tanto, requer-se o conhecimento pelo agente, quando da conduta, o conhecimento de todas as circunstancias que vem a converter este fato em um fato típico. [16]

O agente tem que ter, claramente, diante de si a possibilidade de escolha, minimamente pensada, de que se não cessar sua conduta, poderá matar o abordado ou suspeito, e mesmo assim, continua com a ação. [17]

Segundo Santos, o "dolo eventual se caracteriza, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por conformar-se com a eventual produção do resultado desse resultado". [18]

Assim, verifica-se que o policial militar deverá realizar a ação com o conhecimento de que poderá causar a morte da pessoa abordada, e, concomitantemente, de forma ponderada e mediante possibilidade de conduta diversa, não modificar sua ação, demonstrando que pouco se importa com a vida do cidadão, persistindo com a ação e obtendo o resultado previsto.

Atos que denotem que o resultado morte não foram prescindidos desta análise pelo agente, bem como atos posteriores ou mesmo no transcorrer da ação que demonstrem a tentativa de evitação do resultado (socorro imediato, tentativa de reanimação, disparo que visava não atingir região vital) podem demonstrar que não agiu o policial militar com dolo, na forma eventual. [19]

Em suma, o dolo eventual deve se aproximar do dolo direito, onde o agente age com o fim do resultado criminoso querido, e não da culpa consciente, onde o agente não deseja o resultado.

2.2 CULPA CONSCIENTE

A responsabilidade penal em regra é somente a título de dolo, e apenas, excepcionalmente, na forma culposa (art. 18, § único do CP), por ser o dever de evitação indireto, pois o fim visado pelo agente é lícito. [20]

Na culpa consciente, o policial militar tem a previsão do resultado morte, porém age convictamente que não irá ocorrer, por sua habilidade com o manuseio da técnica policial, v.g.

Trata-se da forma mais grave da culpa, que se aproxima quase que de forma imperceptível do dolo eventual.

Não basta, portanto, a simples previsão do resultado. O policial militar deverá, de forma inequívoca, demonstrar que prosseguiu com a ação quando de forma ponderada, poderia tomar decisão diversa.

A imprudência consciente "se configura pela representação do risco não permitido ou da lesão do cuidado objetivo, caracterizada pela confiança na evitação do resultado: o autor representa a possibilidade de realização do tipo, mas confia na ausência do resultado lesivo, ou porque subestima o perigo, ou porque superestima a capacidade pessoal, ou porque acredita na sorte." [21]

No plano intelectual, a culpa consciente caracteriza-se pela leviandade na produção do resultado, e no plano emocional, pela confiança na não produção do resultado; no dolo eventual, no plano intelectual o agente leva a sério a ocorrência do resultado previsto, no plano emocional, conformando-se com a produção do eventual resultado. [22]

Assim, se o policial militar ao utilizar erroneamente a técnica policial de abordagem ou uso da força, prevendo o resultado morte, e haver provas nos autos de que poderia ser tomada ação diversa, e mesmo assim, consente o agente com o resultado, haverá dolo eventual; caso não seja apurado que o policial consentiu com o resultado, confiando na sua não ocorrência e demonstrando a tentativa de evitação do resultado (socorro imediato, tentativa de reanimação, disparo que visava não atingir região vital), haverá culpa consciente.


--------------------------------------------------------------------------------

3. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO E DOLO EVENTUAL

Os tipos penais de homicídio doloso qualificado, previstos no art. 121, § 2º e incisos do CP são tipos penais em que o resultado morte requer motivos, meios, modos e finalidades próprias. [23]

São elementos subjetivos do tipo, onde "o especial fim ou motivo de agir aparece em certas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato. Trata-se, portanto, de elemento subjetivo do tipo de ilícito, que se apresenta de forma autônoma, junto ao dolo". [24]

Diante da finalidade específica, adredemente requerida pelo legislador ao tipificar a ação, poder-se-ia compatibilizar os tipos penais de homicídio qualificado com a forma de dolo eventual?

Como visto, o dolo na forma eventual não prescinde do conhecimento de todas as circunstâncias, objetivas e subjetivas do tipo.

Nos tipos penais de homicídio qualificado, não basta o evento morte, eis que agregadas várias circunstâncias qualificadoras do crime, as quais exigem o dolo na forma direta. [25]

Se o agente realiza a ação com resultado morte previsto, utilizando meio insidioso, v.g., necessariamente a ação terá de seguir a forma dolosa direta, e não eventual. As figuras qualificadas de homicídio requerem um dolo "específico", e não genérico, sendo incompatível a indiferença do agente com o resultado, que não é apenas a morte da vítima, mas além desta, com as circunstâncias que qualificam a ação.

O próprio apenamento das modalidades dolosas qualificadas de homicídio evidenciam que o legislador não tratou com da mesma forma que a figura simples, do caput do art. 121 do CP.

Assim, fundamentamos que o homicídio doloso qualificado não comporta a forma de dolo eventual, senão apenas o dolo direto.


--------------------------------------------------------------------------------

4 CONCLUSÃO

A repercussão que a morte de um cidadão quando praticada pelo agente encarregado de cumprir a lei causa comoção junto a comunidade e forte repercussão na mídia.

Entretanto, não podem os operadores do direito, em especial o órgão oficial de acusação, deixar de observar a estrita legalidade ao realizar o juízo de adequação típica da ação do policial militar que pratique um homicídio no desempenho de atividade de policia ostensiva ou agindo em razão da função.

Fundamentamos que a tipificação da ação na forma dolosa eventual requer não somente a assunção do risco (previsão), mas o consentimento do policial militar que, podendo, deixa de agir de forma diversa.

Adredemente tipificar a conduta do policial militar, que tem na arma de fogo um meio letal de emprego, a forma dolosa eventual não encontra guarida nos mais renomados estudiosos do tema. O direito penal não pode corporificar pré-conceitos e institucionalizar a violência [26], que quando feita por quem tem condições de analisar com acuidade as provas acostas a investigação preliminar – inquérito policial militar – acenar ao público leigo com acusações distantes de um direito penal do fato, humanitário e legalista.

Que se denuncie, julgue e condene o policial militar, como todo cidadão, na medida de sua culpabilidade.

De lege ferenda, a criação de um tipo penal especifico para o homicídio culposo na forma consciente, com pena intermédia entre o culposo inconsciente e o doloso eventual, poderia clarear o vácuo existente na legislação.


--------------------------------------------------------------------------------

Notas

Adotamos a doutrina finalista da ação, que pretendeu seguir, na integralidade, a reforma penal de 1984 da parte geral do CP.
LUISI, Luiz. O tipo penal e a teoria finalista da ação. Dissertação apresentada a faculdade de direito da URGS para livre docência da cadeira de direito penal. Porto Alegre: editora a nação, p. 71: Dentro deste entendimento, ou seja, o dolo como elemento do tipo penal, ele é apenas uma realidade psíquica. Não é valorado. É somente o propósito, a intenção do agente, sem caracterizá-lo como censurável ou não, isto é, sem conotações axiológicas.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, v.1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 17: a tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo-se o que se chama de tipicidade material.
BITENCOURT, Cezar Roberto, Desvalor da Ação e Desvalor do Resultado nos Crimes Culposos de Trânsito, in Boletim IBCCrim - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 64, março/1998, página 14: Para começar, a ação do indivíduo que, limpando sua arma de caça, em determinado momento, involuntariamente dispara, atingindo um "pedestre", que passava em frente à sua casa, será igual a ação de um motorista que, dirigindo embriagado, atropela e mata alguém? A ação de indivíduo que, desavisadamente, joga um pedaço de madeira de cima de uma construção, atingindo e matando um transeunte, terá o mesmo desvalor que a ação de um motorista que, dirigindo em excesso de velocidade ou passando o sinal fechado, colhe e mata um pedestre? Inegavelmente o resultado é o mesmo: morte de alguém; o bem jurídico lesado também é o mesmo: a vida humana. Mas a forma ou modalidade de praticar as ações desvaliosas seriam as mesmas, isto é, o desvalor das ações seria igual? As respostas a estas indagações exigem, a nosso juízo, uma reflexão mais profunda.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 29: c) como tipo de garantia (tipo em sentido amplo) realiza a função político-criminal atribuída ao principio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF), expressa na formula nullum crimem, nulla poena sine lege, e compreende todos os pressupostos da punibilidade: além dos caracteres do tipo de injusto (tipicidade e antijuridicidade), também os fundamentos de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto (culpabilidade), assim como as condições objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 87: E quanto ao principio do in dubio pro societate no momento de oferecer denuncia, existe? Nesta parte, temos nova posição doutrinaria. Se a prova da qualificadora (ou do próprio fato em si) for fraca, não admitimos mais o oferecimento de denuncia com base no principio do in dubio pro societate, e, se for oferecida, a denúncia não deve ser recebida. O principio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus. Penitenciamo-nos do nosso entendimento anterior. O ministério público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na duvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. O só fato de acusar alguém já impede o exercício de determinados direitos civis e políticos. (...) O ministério publico tem de ter consciência do seu papel na sociedade, não podendo tornar-se uma fabrica de fazer denuncias, em especial se for com base no famigerado principio que não tem nenhuma previsão legal.
DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 6ª ed. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33: Evidentemente, havendo duvida quanto ao conteúdo psicológico da conduta – sempre de difícil aferição – prevalecerá a hipótese menos gravoso de culpa consciente, em face do primado favor libertatis, que é a fonte de todo Estado Democrático de Direito, o qual, em matéria de probatória nos campos penal e processual penal, se traduz na máxima in dubio pro reo.
Xavier Philippe, Le Contrôle de Proportionnalité dans les Jurisprudence Constitutionelle et Administrative Française, Aix-Marseille, 1990, p.7, apud Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 3a Ed., São Paulo, Editora Saraiva, p. 356.
Pierre Muller, Zeitschrif für Recht, Band 97, 1978, Basel, p. 531, apud Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 3a Ed., São Paulo, Editora Saraiva, p. 357.
Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 5a Ed., Coimbra, Almedina, 1991, apud, José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 14a Ed. Editora Malheiros, p. 94.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 246: há uma operação intelectual de conexão entre a infinita variedade de fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito na lei. Essa operação, que consiste em analisar se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para qualificá-la como infração penal, chama-se "juízo de tipicidade".
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários aos Crimes do novo Código de Trânsito. São Paulo: Saraiva, 1998.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 61: A definição do dolo eventual da imprudência consciente, como conceitos simultaneamente excludentes e complementares, é uma das mais controvertidas e difíceis questões do direito penal, porque se fundamenta na identificação de atitudes diferenciáveis, em ultima instancia, pela situação afetiva do autor. De modo geral, o dolo eventual constitui decisão de possível lesão do bem jurídico protegido no tipo, e a imprudência consciente representa leviana confiança na exclusão do resultado de lesão, mas a determinação das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente requer a utilização de critérios mais precisos.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 178.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 262.
SÁNCHEZ, Bernardo Feijóo. El Dolo Eventual. Disponível na Internet: . Acesso em 25 de abril de 2004: De acuerdo con lo dicho hasta ahora el injusto doloso se caracterizaría porque una persona toma la decisión de realizar un hecho a pesar de conocer (abarcar intelectualmente) todas las circunstancias fácticas que van a convertir ese hecho en un hecho típico. En el injusto doloso el autor se decide con conocimiento del alcance de su decisión por una actuación jurídico-penalmente relevante. Todo ciudadano que « tiene la realización del hecho típico ante los ojos » tiene el deber de evitar que se produzca ese hecho. Si alguien sabe que va a hacer algo lesivo para intereses ajenos lo que se espera de un ciudadano que tiene en cuenta.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 64: a teoria do consentimento, elaborada por MEZGER, define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. Assim, não age com dolo eventual o medico que realiza intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional, mas leva a serio a possibilidade de morte do paciente, ou alguém que atira para salvar o amigo da vitima de agressão e leva a serio a possibilidade de atingir o amigo.
IDEM, Ibidem. p. 62.
IDEM, Ibidem. p. 65: a teoria da não-comprovada vontade de evitação do resultado (também conhecida como teoria da objetivação da vontade de evitação do resultado), desenvolvida por ARMIN KAUFMANN em bases finalistas, coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de contra-fatores para evitar o resultado representado como possível: imprudência consciente se o autor ativa contra-fatores, dolo eventual se não ativa contra-fatores para evitação do resultado.
SÁNCHEZ, Bernardo Feijóo, op. cit: En realidad, lo que sucede es que la infracción del deber es tan palmaria en el dolo que no hace falta detenerse o insistir sobre este aspecto normativo del delito doloso. Es evidente que cuando el legislador define una conducta como típica establece el deber de evitar su realización. En el delito imprudente, en sentido contrario, se hace continua referencia al deber de cuidado como un deber menos evidente que, además, sirve como criterio para limitar los límites del injusto específicamente penal. El autor doloso tiene el deber directo o inmediato de evitar un hecho típico, mientras el autor imprudente se ve afectado por un deber de evitación más indirecto o mediato: el deber de cuidado. En nuestro C. P. el injusto doloso es el prototipo de injusto penal, suponiendo el injusto imprudente un supuesto excepcional
SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 105.
IDEM, Ibidem. p. 106.
DELMANTO, Celso. Op. cit, p. 249.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit, p. 179.
IDEM, Ibidem. p. 177: há dolo direto quando o agente se propõe à realização da conduta típica. O dolo aqui se confunde com a intenção. A vontade se dirige à realização do fato que configura o delito. A dúvida em se alcançar o resultado é irrelevante. Há dolo direto também quanto ao meio e ao resultado que necessariamente estão ligados à realização da conduta típica, mesmo que não sejam desejados pelo agente.
BECCARIA, Cesare Bonasena. dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr e outro. 2ª ed. São Paulo:RT, 1999, p. 73: Por este motivo, em alguns governos que tem toda a aparência de liberdade,a tirania esconde-se ou infiltra-se, despercebida, em algum ângulo descuidado do legislador, ali tomando forca e crescendo.

Código Penal Militar

O art. 290 do Código Penal Militar (tráfico, posse ou uso de entorpecente) e a nova Lei Antidrogas

Luciano Moreira Gorrilhas

promotor de Justiça militar, pós-graduado em Ciência Criminal pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), professor da Universidade Gama Filho


Há muito que o tipo penal supradito está a merecer profunda reformulação para que se possa adequar à conjuntura atual. Neste sentido, vale lembrar que o Código Penal Militar (CPM) emanou do Decreto-Lei n° 1001, de 21 de outubro de 1969, em plena fase da ditadura. Recorde-se que, ainda durante o citado período, o tráfico de drogas no Brasil era incipiente, sem a dimensão e o alcance dos dias de hoje, em que, por vezes, quando não tangenciam, ingressam na órbita da vida da caserna (lugar sujeito à Administração Militar).

Ressalto, em letras garrafais, que não sou saudosista da época da ditadura, muito pelo contrário. No entanto, é fato que naquele período os traficantes não encontraram e não encontrariam terreno fértil para semear suas atividades ilícitas. Em decorrência disso, temos, presentemente, uma norma penal incriminadora capenga, a qual, tanto seu preceito primário quanto o secundário, resultam em descompasso com os fatos, diga-se de passagem, repugnantes, reinantes nas sociedades civil e militar. Refiro-me ao tráfico de drogas, notadamente, em lugar sujeito à Administração Militar (inclusive com a utilização de aviões militares).

Com efeito, basta uma passada de olhos nas elementares do tipo do art 290 do CPM para percebermos, sem maiores dificuldades, que o legislador da época tratou de igual forma, colocando no mesmo denominador comum, aquele que porta pequena porção de entorpecente para uso próprio (usuário) como o que conserva em seu poder grandes quantidades do mesmo produto (características do tráfico). Vejamos o art 290, CPM, verbis:

"Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, até cinco anos."

Nesse passo, foram seguidas, erroneamente, as pegadas do Decreto n° 385, de 26 dezembro de 1968, o qual, modificando a redação do artigo 281 do Código Penal Comum, equiparou as condutas de traficar e trazer consigo substâncias entorpecentes. Assim, por incrível que possa parecer, torna-se factível que um agente, condenado pela prática de tráfico de drogas no interior de uma OM, pelo art 290 do CPM, venha a ser contemplado com a suspensão condicional da pena (Sursis). Para tanto, basta que seja primário e de bons antecedentes e venha a ser apenado com até dois anos de reclusão. O incrível é que a mesma punição poderá sofrer um simples usuário, reincidente, preso em flagrante portando drogas (a pena em abstrato do crime do art 290 do CPM é de 01 a 05 anos de reclusão). Neste contexto, releva aqui considerar que a lei foi condescendente com o tráfico e extremamente rigorosa com o usuário.

Em azimute contrário, contudo, a Lei 11.343, de 23 agosto de 2006, em seu artigo 33, abaixo transcrito, estabelece pena de reclusão de cinco a quinze anos para o tráfico de drogas.

"Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa."

Outro dado a ser observado com olhar crítico, relativamente ao tipo penal em comento (art 290 CPM), refere-se a sua rubrica marginal, a qual vem vazada nos seguintes termos:

"TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPENCENTE..."

Como é cediço, a lei não pune o simples uso de entorpecente sem a precedente conduta de trazer consigo (ou portar) a referida substância. Dessa forma, não se apena o agente por ter feito uso de droga, caso não traga consigo porção da substância tóxica proibida. Aliás, nestes casos, não vale nem a prova oral proveniente dos depoimentos das testemunhas presenciais do fato (de visu), ou seja, aquelas que assistiram a droga ser consumida pelo agente.

Assim sendo, urge como providência legislativa necessária a retirada do vocábulo "uso" do nomen criminis do art 290 do CPM. De fato, conquanto a rubrica marginal não pertença ao comando legal proibitivo, constitui-se, por vezes, em elemento de valia para interpretação de uma norma.

Impressionantes ainda são as manifestas lacunas contidas no § 1°, I e III do art. 290 do CPM, onde estão inseridos os casos assimilados aos da cabeça do mencionado artigo.

Observemos o citado parágrafo 1° e incisos, in verbis:

"Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar não sujeito à administração militar.

I – O militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a outro militar;

III- quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a militar em serviço, ou em manobras ou exercício;"

Fornecer tem o sentido de prover, proporcionar, abastecer.

Resulta evidente que o significado de fornecer, citado no inciso I, não é o mesmo dos vocábulos receber, vender e ministrar constantes do caput. Do contrário, o legislador penal militar não os teriam elencados, de forma autônoma, como núcleos dos verbos do tipo (art 290 CPM). De fato, receber é aceitar em pagamento ou não; vender é alinear mediante contraprestação, em geral, em dinheiro e ministrar é aplicar, inocular, gratuitamente ou mediante paga.

Em vista disso, exsurge como de possível ocorrência em concreto algumas das esdrúxulas e hipotéticas situações abaixo:

a) Um militar, fora de lugar sujeito à Administração Militar, ao fornecer substância entorpecente para outro militar, praticará, em tese, crime de natureza militar. Todavia, caso nosso protagonista venha a ministrar ou vender a aludida droga para um colega de caserna cometerá crime de natureza comum. Decerto, estas modalidades referidas (vender e ministrar) não foram previstas na norma penal em destaque (inciso I do § 1° do art 290 CPM).

b) Um militar ou um civil, em lugar não sujeito à Administração Militar, vende substância entorpecente para militar de serviço, ou em manobra ou em exercício militar.

Aplica-se aqui o mesmo raciocínio supra, ou seja, o crime é comum ante a inexistência de expressa tipicidade. Vale dizer, não figura o verbo "vender" dentre os mencionados núcleos do subtipo descrito no inciso III do § 1° do artigo 290 do CPM.

Outro tópico que demanda reflexão é quanto a inserção topográfica do art 290 do CPM no capítulo dos crimes contra a saúde (Bem jurídico tutelado). Nos parece, salvo melhor entendimento, que o supracitado tipo penal estaria melhor encartado no capítulo destinado aos crimes contra à Administração Militar. De fato, sobressai-se dentre as elementares do delito em discussão a locução "em lugar sujeito à Administração Militar". Ou seja, os diversos comportamentos descritos nos tipos (onze verbos) somente serão reprimidos se executados em lugar sujeito à Administração Militar. De observar-se que esta é a nota marcante do artigo 290 do CPM. Assim, fica nítido que o legislador realçou com cores fortes o aspecto do locus delicti commissi, enquanto que a saúde pública ficou, ao que nos parece, relegada a plano secundário.

Com efeito, fica difícil acolher a tese de perigo à saúde alheia, vale dizer, possibilidade de propagação da droga, nos casos, por exemplo, em que um militar ou civil (em lugar sujeito à administração militar) é surpreendido portando um cigarro de maconha com menos de um grama. Nesses casos, temos que o usuário estará apenas atentando contra sua própria saúde (autolesão), pois bastará acender a aludida "bagana" para que o conteúdo da substância tóxica em questão se pulverize em frações de segundo. Nestes casos, pergunta-se: houve perigo da difusão do aludido entorpecente?

Nesse diapasão, caso, por suposição, estivesse o artigo 290 CPM inserto nos crimes contra à Administração Militar, resultariam eliminadas todas as discussões acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nas apreensões envolvendo pequenas (ínfimas) quantidades de substâncias entorpecentes. Decerto, tornar-se-ia despiciendo o debate acerca do assunto em referência, notadamente, levando-se em linha de conta que tanto as grandes como as pequenas apreensões efetuadas em lugar sujeito à Administração Castrense atentariam, de igual modo, contra a ordem administrativa militar. Hoje, como sabemos, considerando o atual bem jurídico tutelado (saúde pública), existem jurisprudências nos dois sentidos: umas acolhendo o princípio da bagatela nos crimes envolvendo tóxico, outras repudiando este instituto de política criminal.

Adite-se, entretanto, que essa vexata quaestio no direito comum, ao que tudo indica, ficou relegada a um segundo plano com a edição da nova lei antidrogas, de agosto de 2006. Note a redação do artigo 28, verbis:

"Art 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I- advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo."

Vale notar que, ao contrário do que estabelecia o revogado preceito secundário do art 16 da Lei 6368, de 21/10/1976, pena de detenção de 6 meses a 2 anos, a lei 11.343/2006 aboliu a privação de liberdade para o agente que adquire, guarde ou traga consigo, para uso próprio, substância entorpecente (usuário). Neste aspecto, inovou o legislador, inclusive, adotando, como modalidade de pena, medida sócio-educativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, qual seja: Advertência.

Esclareça-se, nesse ínterim, que caberá ao Juiz da causa determinar se a droga apreendida destinava-se a consumo pessoal ou não. Para tanto, consoante dicção legal, observará a natureza, quantidade, local e condições em que ocorreram o delito, bem como aspectos sociais e penais do agente ( art 28, § 2° da Lei 11.343).

No campo processual, a nova lei de tóxicos citada adotou o princípio da isenção de prisão em flagrante do usuário, a qual fora substituída pela lavratura de termo circunstanciado do ocorrido, mediante termo de compromisso de comparecimento daquele ao Juízo competente.

Gize-se que medidas tais como: atos de lavratura de termos circunstanciados, requisições de exames e perícias deverão ser imediatamente tomadas pela Autoridade Policial, sendo vedada a detenção do agente (art 48, § 3° da Lei 11.343).

O fato é que, com acertos e desacertos, avançaram a legislação penal e processual comum, no tocante ao delito de entorpecente. Enquanto isso as leis penal e processual militar permaneceram vetustas nesse particular.

Apesar disso, ao nosso aviso, ante as omissões voluntárias do legislador do Código de Processo Penal Militar acerca do assunto em tela, entendemos, com base no artigo 3°, "a" do CPPM (os casos omissos neste código serão supridos pela legislação de processo penal comum) que as inovações trazidas pela Lei n° 11.343, de agosto de 2006, por analogia autorizada, tem inteira aplicação no Processo Penal Castrense.

Destaco abaixo algumas das hipóteses constantes da lei susomencionada que poderão ser encampadas pelos operadores castrenses:

"O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços. (art 41)

Em qualquer fase de persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

I- a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;

II- a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. (art. 53). (hipótese de flagrante retardado ou prorrogado)

Sempre que conveniente ou necessário, o juiz, de ofício, mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ou a requerimento do Ministério Público, determinará que se proceda, nos limites de sua jurisdição e na forma prevista no § 1° do art. 32 desta Lei, à destruição de drogas em processos já encerrados. (art 72)."

Por fim, insta comentar que, embora o art 40 da Lei 11343/2006, em seu inciso III, tenha previsto, como causa para aumento de pena, o tráfico de drogas nas dependências de unidades militares, tal fato não modifica a competência da Justiça Castrense como, numa leitura açodada, possa transparecer. Veja o artigo 40.

"Art 40 – As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta lei são aumentadas de um sexto a dois terços (obs.: art 33 da lei refere-se ao tráfico de drogas), se:

I – omissis;

II – omissis;

III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas,esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos" (grifei)

À evidência, uma interpretação lógica ou teleológica do referido inciso nos leva insopitavelmente a conclusão que a aludida causa de aumento de pena só tem aplicação nos casos em que o tráfico de drogas, em lugar sujeito à Administração Militar, destina-se ao comércio com outro país, vale dizer, constituir-se em tráfico internacional de drogas.

Nestas hipóteses, a competência é da Justiça Federal. Do contrário, o fato fica afeto à Justiça Militar para processo e julgamento.

Em nossos comentários supra, tivemos por escopo, além de elucubrar sobre o tema em enfoque, aguçar a reflexão dos operadores de direito que militam perante a Justiça Castrense.